Proposta de constituição conservadora tem alta rejeição no Chile
Foto: Governo do Chile/Divulgação
Daqui a um mês, em 17 de dezembro, os chilenos voltarão às urnas para referendar ou não uma proposta de Constituição que substitua a estabelecida em 1981 durante o período ditatorial do general Augusto Pinochet. Tudo indica que pela segunda vez consecutiva o país andino se manterá no impasse, rejeitando a proposta agora gestada majoritariamente por forças à direita.
Pesquisas registram uma alta rejeição ao texto apresentado nesta semana ao presidente Gabriel Boric pela Assembleia Nacional Constituinte eleita em maio passado e que tem 34 dos 51 assentos ocupados pela Direita e Extrema-Direita chilena.
“Fomos de um extremo ao outro, sem consenso adequado”, afirma Andras Uthoff, Economista e Ex-Conselheiro Regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que integrou a Comissão sobre Reforma do Sistema de Pensões e da Comissão sobre Reforma do Sistema de Seguro de Saúde do Chile.
No caso, Uthoff faz uma comparação à proposta de Constituição não aprovada em setembro do ano passado e que era fortemente alinhada a ideias da esquerda e centro-esquerda que compuseram, na ocasião, a maioria da Assembleia eleita em maio de 2021.
Rejeição de 50%
Pesquisa feita pelo instituto de pesquisas Cadem aponta que somente 32% dos eleitores estariam dispostos a dar um Sim no referendo. Segundo o instituto, 50% votará contra à proposta e que 15% ainda não tomaram uma posição.
A Cadem é a principal empresa de pesquisas de mercado e opinião pública no Chile.
O certo é que em meio ao imbróglio, analistas políticos chilenos acreditam que durante as campanhas pelo Sim e pelo Não, parte do eleitorado tenderá a apoiar a nova Constituição ao ver nela um texto melhor do que a Constituição de Pinochet.
Algo, porém, que não deverá reverter a tendência de sua provável rejeição no referendo.
Se para Beatriz Hevia, a advogada de direita que presidiu o Conselho Constitucional (Assembleia Constituinte), a redação do texto leva em conta, em suas palavras, “inquietudes de todos os setores” e que ideias caras à esquerda foram incorporadas, o mesmo não é entendido pelo socialista Alejandro Kohler, que também integrou o Conselho Constitucional.
“Excludente, dogmático e que não dá conta da diversidade que caracteriza o nosso país”, resumiu ele ao lembrar dos movimentos do segundo semestre de 2019 que tomaram conta das ruas do Chile por uma mudança no sistema político do país.
Polêmicas
Para o economista Uthoff, a proposição está totalmente fora das expectativas dos movimentos de ruas de 2019.
“Apenas a cobertura da PGU (Pensão Garantida Universal) foi ampliada. Nada na saúde. Nada em habitação. Nada na educação”, resume Uthoff.
Fora a manutenção do papel de destaque do setor privado nos setores de saúde e educação, outro ponto chama a atenção e que não estava na Constituição de Pinochet considerada ultraliberal, a autonomia do Banco Central do Chile.
Mas, as polêmicas não se resumem a questões econômicas ou de papel do Estado. Avançam para as chamadas pautas de costume e migratórias.
Em um dos trechos da proposta que irá a referendo é mencionado que “a lei protege a vide de quem está para nascer”.
Isso coloca em discussão se políticas de acesso a métodos contraceptivos serão mantidos e a possibilidade de uma reversão das legislações atuais que permitem a interrupção da gravidez.
No Chile é permitido o aborto em casos de estupro, de risco de vida da mãe ou nas situações em que médicos afirmam que o feto não sobreviverá fora do útero.
Na questão migratória, a proposta prevê que qualquer estrangeiro que entre clandestinamente no Chile deverá seja expulso o mais rápido possível do país.
Melhor ficar como está
Diante do que é considerado a uma reação forte da Direita à proposição rechaçada em setembro de 2022, os setores da centro-esquerda e esquerda acreditam que a melhor opção seria a manutenção da Constituição de 1981.
“Em geral, foi uma reação exagerada que também afeta mais o programa do governo do que uma Constituição. A atual proposta é uma reação à vitória da direita na eleição dos comissários que reverteu tudo o que avançava nas propostas de valor e minimiza o papel do Estado na economia”, afirma Uthoff.
Para ele, apesar da rejeição “gerar um vazio significativo no apoio às instituições políticas e numa reação dos cidadãos”, a melhor opção é “continuar melhorando a constituição de Pinochet”.
A Constituição chilena atual já teve pontos importantes reformados pelo presidente Ricardo Lagos (2000-2006) e por governos recentes.
Concretamente, apesar de ser criticado por sua origem, ele é mais fácil de ser mudado aos poucos, diferentemente de uma nova constituição sendo aprovada.
Apesar da remota possibilidade de aprovação, Florencio Valenzuela, secretário executivo de La Federación Nacional de Sindicatos de Colegios Particulares (que representa professores da rede privada no Chile), informa que “a Direita já deu início a uma impressionante campanha de imprensa para que haja uma reversão”.
Ele lembra que campanha semelhante, mas no sentido contrário a aprovação, foi a responsável pela não aprovação da proposta constitucional apresentada anteriormente.
Leia também:
A eleição da primeira Assembleia Constituinte, com posições mais progressistas
A rejeição da primeira proposta para nova Constituição