CULTURA

A odisseia de Tabajara Ruas

Com um livro para ser relançado e dois filmes em finalização, Tabajara Ruas é o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, que ocorre de 27 de outubro a 15 de novembro deste ano
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 26 de setembro de 2023
A odisséia de Tabajara Ruas

Foto: Edivan da Rosa/Divulgação Feira do Livro

Tabajara Ruas é o patrono da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre

Foto: Edivan da Rosa/Divulgação Feira do Livro

“Eu queria ver se descansava um pouco, mas a Lígia Walper, minha esposa, não para de trabalhar. Ela está sempre me trazendo alguma coisa”, resume, divertidamente, Tabajara Ruas ao ser indagado sobre seus projetos futuros.

Aos 81 anos de idade, o patrono da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre também responde aos que afirmam que a homenagem deveria ter vindo antes: “Nossa, eu acho que a feira tem o andamento dela mesmo, né? A velocidade dela, eu acho que chegou numa hora boa. Pode ter certeza”.

NESTA REPORTAGEM
Com um livro para ser lançado na Feira e dois filmes em finalização para o próximo ano, só uma coisa tira ultimamente o humor de Taba, como também é conhecido por quem tem intimidade com o escritor, roteirista, diretor e cineasta premiado nacionalmente.

São os pequenos lapsos de memória – cada vez menos frequentes, diga-se – que foram deixados pela covid-19.

“No meu caso foi muito abrupto, porque depois dessa p* dessa pandemia aí, me deu um apagão muito forte, muito violento”, diz ao deixar claro que não se incomoda de que isso fique registrado por Extra Classe.

O incômodo é mais do que justificado para quem, em especial, tem em sua obra temas históricos épicos, como Os varões assinalados – Um romance de cavalaria, que narra o desafio dos gaúchos ao Império brasileiro, com a fundação da República do Piratini, e Netto Perde sua Alma.

A adaptação para o cinema da história do general que é ferido em combate na Guerra do Paraguai e se recupera no Hospital Militar de Corrientes, Argentina, ainda pode ser considerada o ápice de Tabajara na sétima arte. Pelo menos até o momento.

Não é para menos. Somente no principal festival de cinema do Brasil, o de Gramado, o filme levou quatro Kikitos de Ouro: Montagem, Trilha Sonora, o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio do Júri Popular.

Uma vida épica, de golpe em golpe

A vida de Marcelino Tabajara Gutierrez Ruas, o seu nome completo, por si só daria conta de um enredo tão complexo e épico quanto os de sua produção artística.

Ele chegou a iniciar sua graduação em Arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mas teve que a concluir na Dinamarca por ter entrado na mira da repressão da ditadura cívico-militar brasileira.

“Eu estava no quarto ano de Arquitetura e era, vamos dizer assim, simpatizante da Ação Popular. Não que eu fosse muito católico, mas era o que tinha lá”, lembra, ao divertir-se com as origens do movimento que surgiu como resultado da Juventude Universitária Católica (JUC) e de outras entidades da Ação Católica Brasileira, em 1962, e que passou a ser uma das linhas de frente de resistência ao regime.

Ao todo, foram dez anos de exílio, de 1971 a 1981, que, de certa forma, retrataram os tempos bicudos que pairavam sobre a América Latina.

A primeira escala do exilado político Tabajara Ruas foi no Uruguai, em passagem para o Chile, de Salvador Allende.

Ela se encerrou na Embaixada da Argentina ao lado de milhares que se refugiaram do sangrento golpe do general Augusto Pinochet, em 1973.

Foi da Argentina o pulo para a Europa. “Fiquei em Buenos Aires um ano e pouco, quando aí o pessoal da ONU começou a fazer uma percorrida entre os refugiados para ver para onde as pessoas queriam ir, porque o golpe na Argentina se aproximava”, recorda.

Da arquitetura ao cinema

Na Dinamarca, Tabajara Ruas concluiu seu curso de Arquitetura em Copenhague, na Real Academia Dinamarquesa de Belas Artes.

Após, a concretização de um sonho antigo: estudar cinema. Foram seis meses em Vejle, atualmente conhecida como a cidade que tem a arquitetura mais fascinante da Dinamarca.

“Era uma escola, assim, tipo rural; uma escola pequena, mas muito bem apoiada, com muitas especializações e muito bem frequentada. A escola de cinema de Vejle até hoje existe e é bem importante”, relembra.

Na arquitetura, praticamente toda a vida profissional de Tabajara Ruas foi exercida em São Tomé e Príncipe. “Assim que eu terminei o curso lá em Copenhague, surgiram vários convites para ir para cá e para lá e tal.”

No país insular que fica no Golfo da Guiné, Tabajara Ruas trabalhou por dois anos basicamente em reformas e pequenos projetos, “dentro da simplicidade das pessoas de lá”.

Porém, um projeto que o orgulha, apesar de ainda não ter saído do papel por falta de recursos, foi o de um centro cultural na capital, São Tomé.

“Tenho orgulho, sim. É um projeto muito grande, muito completo. Todo equipado, com salas de aula, espaço para conferência, essas coisas todas, assim. Tudo trabalhadinho e desenhado. Infelizmente, ainda estão há quase 50 anos esperando que saiam os cobres para que ele seja feito”, lamenta.

Arquitetando tramas e personagens

Foi em Portugal que Tabajara Ruas deixa de lado os traçados que ganham forma em tijolos, cimento e concreto e passa a arquitetar tramas e personagens literários.

Lá, na terra de Camões e Pessoa, exerce a função de roteirista e lança, em 1978, A Região Submersa, seu romance de estreia.

Com um enredo policial, que fez sucesso na crítica portuguesa e dinamarquesa, a obra foi publicada inicialmente pela L&PM e chegou a integrar a Coleção Negra, da Editora Record, ao lado de outros grandes autores do gênero Noir, como James Ellroy, Ross MacDonald, Ed Macbain e Elmore Leonard.

“Eu gosto de gênero. Então, eu trabalhei no gênero policial, trabalhei no gênero gauchesco, maneira de dizer. Minha escrita é basicamente uma vertente do histórico e do atual, assim, do contemporâneo. Eu vou de um para o outro”, resume-se Tabajara Ruas.

Para ele, a vontade de escrever histórias, fazer narrativas vem de forma inata. “Tu não sabe, tu não pode definir, é um dos segredos, um dos grandes segredos das profissões. Eu acho que eu nasci com essa coisa aí. Desde criança, eu me lembro de estar fazendo pequenas anotações, observando pequenos detalhes daqui e dali e tal”, sintetiza.

O patrono da Feira do Livro de Porto Alegre recorda o livro que o “encantou muito” na sua adolescência: O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo.

“É meio óbvio, mas é. Eu li esse livro sentado no portão de casa, lá em Uruguaiana, e parecia que eu estava vendo tudo aquilo acontecendo. Todas aquelas batalhas, aquelas escaramuças, aqueles duelos internos das famílias. Enfim, vendo a Bibiana na roca e aqueles fantasmas que andavam pelo casarão. É um universo muito, muito grande, muito rico, muito variado e muito marcante.”

Livro e filmes saindo do forno

Coincidências à parte, nesse momento da entrevista, começa, nas palavras de Tabajara Ruas, “uma tempestade terrível”, em Florianópolis.

É de lá, na capital catarinense, onde o patrono da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre reside com sua família há 30 anos, que se arquitetou o que pode ser considerado o lançamento do livro Você sabe de onde eu venho, pela Editora AGE.

Mais uma narrativa épica de Tabajara Ruas, a obra chegou a ter uma edição em 1990 de apenas mil exemplares para a distribuição direta de um patrocinador e chegará, agora, às livrarias com partes reescritas.

Já os filmes, praticamente concluídos, informa Tabajara Ruas, são Edifício Bonfim e Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez.

O primeiro, uma obra literalmente feita em família: do filho Tomás Walper Ruas e da esposa Ligia Walper, pela Walper Ruas Produções, uma história de terror.

Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez é a adaptação para as telonas do romance de Tabajara Ruas publicado pela L&PM e está na lista dos trinta melhores romances brasileiros da conceituada revista literária Rascunho, organizada pelo escritor Luiz Ruffato.

“Já tem mais de 30 anos e as pessoas pediam muito por um filme. Está saindo e eu acho que ficou bem interessante”, fala modestamente após exclamar: “Opaaa! Olha os relâmpagos; as trovoadas tão caindo a queixo”.

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