MOVIMENTO

Cresce mobilização contra reintegração de terra ocupada por indígenas no Salto do Jacuí

Ameaça de despejo contra 36 famílias Kaingang do Salto do Jacuí será debatida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa
Por Gilson Camargo / Publicado em 22 de setembro de 2023
Cresce mobilização contra reintegração de terra ocupada por indígenas no Salto do Jacuí

Foto: Cimi/ Divulgação

Reintegração de posse de terra indígena é contestada por Kaingang, pela Funai e pelo Ministério dos Povos Indígenas

Foto: Cimi/ Divulgação

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) promove no dia 25 de setembro, segunda-feira, às 10h, uma audiência pública para tratar da situação das comunidades indígenas em terras da extinta CEEE, no Salto do Jacuí, que estão sob ameaça de desocupação.

Proposta pela presidente da Comissão, deputada Laura Sito (PT), a audiência será realizada de forma presencial na Sala Adão Pretto e de forma virtual, com transmissão da TVAL.

O processo de demarcação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) da área onde vivem as 36 famílias da Comunidade Kajngang Ga Jakré Hã, no Horto Florestal de Salto do Jacuí, região central do estado, se arrasta na justiça há pelo menos duas décadas.

A pressão pela posse da terra e as ameaças de despejo, no entanto, se intensificaram depois do processo de privatização da CEEE pelo governo do estado.

A área do acampamento pertence à CEEE GE, uma das três empresas que compraram a estatal de energia elétrica do estado. A empresa é vinculada à CSN, a Companhia Florestal do Brasil, ou seja, as áreas ocupadas pelos indígenas agora pertencem a uma empresa vinculada à exploração madeireira e de minério.

No início de julho, o juiz da comarca do Salto do Jacuí, Gustavo Susin, atendeu ao pedido de reintegração de posse ajuizado pela empresa e determinou a desocupação da área até o dia 10 de outubro.

A sentença determina que a Funai, que não é ré no processo e “não responde pela conduta dos indígenas” encontre “uma solução pacificadora” e requer esclarecimentos sobre a condição da área ocupada. O juiz quer saber “se é terra tradicionalmente de ocupação indígena e se for, qual o status do processo demarcatório”.

Terra Indígena nunca demarcada

Em 2007, a Funai peticionou à Procuradoria-Geral da União, informando que seriam agilizados os procedimentos para identificação e delimitação da área, que seria batizada como “Terra Indígena da Borboleta”, e requereu prazo para desocupação.

Após remessa dos autos à Justiça Federal, houve a fixação da competência estadual e os autos foram devolvidos à Comarca de Salto do Jacuí/RS, onde tramitam atualmente.

A discussão sobre a competência para julgar o caso se alongou por anos, até que houve decisão do STF mantendo a competência estadual. Desta definição veio a decisão definitiva para que houvesse a desocupação da área.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comunidade Kajngang se mobilizou para requerer a reconsideração acerca de da decisão de reintegração de posse.

As lideranças apontam “graves defeitos jurídicos” na sentença e no processo como um todo. “Em articulação com o Cimi e outras instituições, as lideranças buscaram interlocutores para agir, neste contexto, em defesa dos seus direitos”, informou o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott.

A articulação contou com a decisão da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de promover uma audiência pública sobre a situação de vulnerabilidade dos indígenas.

A Defensoria Pública do estado, por sua vez, passou a acompanhar o caso e vai propor, entre outras ações, a manutenção da comunidade na posse ou solicitar a anulação da reintegração da área, já que o processo foi julgado à revelia. “Os indígenas nunca foram partes nas demandas”, aponta o coordenador do Cimi.

Segundo ele, a Funai e o Ministério Público Federal também pediram a anulação da sentença de reintegração de posse.

Legítimos donos da terra

Em ofício ao juiz da comarca de Salto do Jacuí, a coordenação regional do Ministério dos Povos Indígenas em Passo Fundo pediu a reconsideração da sentença.

Em uma lista de razões para a requisição, a procuradora Maria Inês de Freitas argumenta que “a comunidade Kaingang, embora houvesse a pretensão judicial da CEEE em requerer a retomada da posse da terra em litígio, se manteve na área através de acordos com o próprio estado”.

Ela ressalta que a comunidade teve consolidada a posse da terra, inclusive pelos investimentos e subsídios do governo do estado.

“Crianças nasceram, cresceram, tornaram-se jovens, estudaram, hoje são homens e mulheres que dependem daquele lugar para progrediram e terem perspectiva de futuro. Não há previsão de outro lugar, disponível previsto para instalação das 36 famílias, que é condição fundamental para eventual remoção das famílias, considerando a responsabilidade do Estado e da União”, sublinha.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, determina que os indígenas devem ser livremente consultados por meio de “consulta livre, prévia e informada acerca de todas as demandas públicas ou privadas que lhes afetem direta ou indiretamente”. A procuradora destaca que “isso não ocorreu ao longo de toda a discussão processual neste caso concreto”.

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