Decretos facilitam aquisição de armas por criminosos
Foto: Fernando Frazão/EBC/Agência Brasil
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O aumento do número de armas nas mãos da população nos últimos quatro anos preocupa especialistas em segurança pública. Entre dezembro de 2018 e o primeiro semestre deste ano, a quantidade de armas registradas passou de 350.638 para 1.006.735. Ou seja: 187% a mais. Decretos flexibilizando o acesso a armamentos coincidem com este período.
No Rio Grande do Sul, o índice de aumento foi menor, 126,5%, ainda assim, considerado preocupante. O número de armas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores os chamados CACs, passou de 65.578 para 148.526.
O período do levantamento coincide com o pós-eleição do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL e atualmente no PL) e três anos e meio de seu mandato. Na eleição de 2018, um dos símbolos da campanha de Bolsonaro foi um gesto que lembra arma.
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro, por meio de decretos, flexibilizou a aquisição e o registro de armas de fogo, inclusive algumas até então de uso restrito às Forças Armadas e às polícias.
Com o ato administrativo do presidente, passou a ser permitido um limite de registro de 60 armas de fogo para atiradores (30 de calibre restrito), 30 para caçadores (15 de calibre restrito) e sem limites para colecionadores.
Suspensão dos decretos
Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal (STF) concedeu liminar suspendendo trechos dos decretos presidenciais que facilitavam a compra e o porte de armas. A decisão provisória foi ratificada de forma virtual pela maioria dos ministros que compõe o STF. Votaram contra apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça, os dois indicados à Suprema Corte por Bolsonaro.
“É muito importante um controle sobre quem compra as armas, pois não afeta apenas a família, mas afeta a coletividade como um todo”, argumenta o advogado e mestre em políticas públicas Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, de São Paulo.
Estudos realizados pelo instituto mostram que, num período de 10 anos, entre 2011 e 2020, uma média de nove armas foram roubadas ou furtados por dia, em São Paulo. Numa análise de 23.709 ocorrências de desvios de armas, o Sou da Paz conclui que os artefatos mais atraem do que protegem da ação de criminosos.
“As pessoas compram armas pensando que vão se defender, mas muitas dessas armas acabam nas mãos de criminosos, e a maior parte das ocorrências desses desvios é nas residências”, diz Langeani.
Fraudes
Nos desvios, de acordo com o instituto, nem sempre os proprietários das armas desviadas são vítimas. Há casos em que as armas registradas são vendidas e os proprietários procuram a polícia alegrando que foram furtadas ou roubadas.
Com a facilitação estabelecida pelos decretos do presidente Jair Bolsonaro, o crime organizado também tirou proveito. Langeani lembra de um caso de 26 armas, entre as quais, fuzis, repassadas para traficantes de favelas do Rio de Janeiro.
No Rio Grande do Sul, em dezembro do ano passado, em um assalto a um carro-forte em Guaíba, na Região Metropolitana, os criminosos, que estavam disfarçados de policiais civis, usaram fuzis.
Uso de laranjas
Com as investigações, a Polícia Civil descobriu que um dos fuzis era um homem com certificado de atirador, colecionador e caçador que havia comprado a arma legalmente, mediante o pagamento de R$ 2 mil por parte dos assaltantes. O uso de “laranjas” para a compra de armas de forma legal pelos grupos organizados também aparecem nas investigações das ações do PCC, em São Paulo.
“Os decretos presidenciais, em vez de dificultarem o acesso a armas pelo crime, facilitou. Antes, uma facção criminosa tinha que investir até R$ 60 mil para aquisição de um fuzil, e ainda necessitava de toda uma logística para o contrabando da arma. Agora, com um terço disso consegue a mesma arma e ainda com status de legalizada’, conclui Langeani.