OPINIÃO

Freire, Capanema e o exílio

IDÉIAS
Por Claudius Ceccon* / Publicado em 14 de setembro de 2021
Durante a chegada em Guiné-Bissau, onde Freire desenvolveu projeto de alfabetização de adultos, na década de 1970

Foto: IPF/Divulgação

Durante a chegada em Guiné-Bissau, onde Freire desenvolveu projeto de alfabetização de adultos, na década de 1970

Foto: IPF/Divulgação

Ouvi falar do método Paulo Freire quando cursava a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), no início dos anos 1960. Nosso professor de Português nos descreveu a sequência das imagens, cuja sequência lógica me impressionou muito, tanto que, mesmo sem ter visto as imagens, aquilo ficou gravado na minha memória. Só mais tarde pude comparar o que eu havia imaginado com o que o artista Brennand criou, baseado na realidade nordestina

Quando a experiência de Angicos ficou conhecida nacionalmente, o Ministério da Educação decidiu que ela deveria ser estendida a todo o país. O Palácio da Cultura – ou Palácio Gustavo Capanema, tombado em 1948 pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) – é o mesmo edifício que agora essa turma sem-noção, estúpida, ignorante que infelicita nosso país, quer vender num feirão de imóveis – foi o local onde a Campanha Nacional de Alfabetização foi instaurada.

Esse mesmo professor, Zuenir Ventura, fazia parte da equipe de coordenação da Campanha Nacional de Alfabetização e me convidou para criar as novas imagens que seriam usadas na Região Sudeste. Era uma responsabilidade enorme e eu me preparava para honrá-la com o que melhor soubesse fazer. Mas antes que eu começasse, aconteceu o golpe de 1964. Seu primeiro Ato Institucional foi extinguir a Campanha de Alfabetização. Camponeses, povão, aprendendo a ler e escrever e ter consciência crítica? Isso era, para o General Castello Branco, pura subversão!

Com isso, não fiquei conhecendo Paulo Freire pessoalmente. O que aconteceu com ele é sabido: prisão, exílio, levando seu saber, sua experiência ao Chile, então com o governo cristão democrata. Pouco antes da eleição de Allende, Paulo Freire foi convidado a lecionar em Harvard, nos Estados Unidos. Seus livros começaram a ser conhecidos, e A Pedagogia do Oprimido, editado em inglês, lançava Paulo Freire ao mundo.

Em 1970, eu estava morando e trabalhando em Genebra, Suíça, havia poucos meses. Amigos comuns me escreveram, dando a notícia de que Paulo Freire havia sido convidado a fazer parte da equipe do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, sediado naquela cidade. Meus amigos me pediam que recebesse Paulo com o máximo carinho pois, diziam nas cartas, ele ia estranhar muito a Suíça, seu clima e o jeito de ser daquele povo. Preconceitos à parte, que missão fantástica me era confiada!

Paulo chegou, com Elza, filhos e filhas. Era muito fácil gostar daquela turma. A partir dali, ficamos amigos.

Muita coisa aconteceu nos anos seguintes. A criação do Instituto de Ação Cultural (IDAC), onde Paulo tinha uma equipe com quem discutir e refletir sobre suas experiências ao redor do mundo; a ação do IDAC em terras europeias; a experiência na Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. E, na volta ao Brasil, o trabalho de assessoria a Dom Paulo Evaristo Arns, de estímulo à ação das Comunidades de Base nas Assembleias Arquidiocesanas. Mais tarde, a criação do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP). O CECIP promoveu a última fala pública de Paulo, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), num anfiteatro lotado de estudantes, no Seminário de Comunicação e Educação, que realizamos em 1996.

O resto é história. E saudades.

Claudius Ceccon: Arquiteto, jornalista, desenhista, ilustrador e cartunista

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Claudius Ceccon: Arquiteto, jornalista, desenhista, ilustrador e cartunista

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

PALÁCIO CAPANEMA – Projetado para sediar o antigo Ministério de Educação e Saúde, o prédio, inaugurado pelo presidente Getulio Vargas, representa o marco da arquitetura moderna em nosso país. Ocupa 16 pavimentos, e seus jardins, projetados por Burle Marx, têm 27.536 metros quadrados. Atuaram no projeto de elaboração do Palácio Capanema arquitetos consagrados, tais como: Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernany de Vasconcelos, com base em estudos feitos por Le Corbusier, que aqui esteve em 1937 especialmente como consultor.

O edifício foi construído de 1937 a 1943, tendo sido a estrutura projetada pelo engenheiro Emílio Baungart. O prédio possui outras obras de arte representativas do modernismo do país e podem ser apreciadas nos painéis de azulejos, quadros e murais de Portinari, nas esculturas de Bruno Giorgio, Vera Janacopulus e Celso Antônio.

* Claudius Ceccon é arquiteto, jornalista, desenhista, ilustrador e cartunista. Conheceu Paulo Freire no exílio, em Genebra, quando o ajudou na criação do Instituto de Ação Cultural (IDAC). Na década de 1960, contribuiu com a revista Pif Paf. Em 1969, se juntou a Jaguar, Tarso de Castro, Prósperi e Sergio Cabral na criação de O Pasquim, trabalhando com desenhistas e humoristas como Millôr Fernandes, Ziraldo e Fortuna.

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