ECONOMIA

Privatização dos Correios ignora valor social e estratégico

Especialistas criticam as razões de Paulo Guedes e apontam equívocos no processo de privatização da estatal e prejuízos para o país
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 7 de julho de 2021
Privatização dos Correios ignora valor social e estratégico

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Movimento no Centro de Tratamento de Encomendas dos Correios, em Benfica

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A ideia do ministério da Economia do governo Bolsonaro de vender 100% dos Correios e que foi pautado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para entrar em votação na próxima semana, antes do recesso parlamentar, tem gerado críticas. Em especial, pelas faltas de profundidade e debate público da questão.

“É muito conveniente discutir privatizar ou não sem conhecer a história”, ironiza Luís Henrique Rodrigues, Pós-doutor em gestão operacional pela Universidade de Lancaster (Inglaterra). “Tratar isso como mais um mero leilão, sem uma maior reflexão é muito ruim para o país”, complementa, Junico Antunes, Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Rodrigues e Antunes, no final dos anos 1990, foram os coordenadores de um grande projeto que introduziu a lógica da Engenharia de Produção, imprimindo, na ocasião, uma forte gestão da produtividade na estatal.

Empresa estratégica

Junico Antunes, Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Junico Antunes, Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Antunes, hoje consultor e professor dos cursos de mestrado e doutorado de Engenharia de Produção e Gestão e Negócios na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), afirma o que diz que deveria ser o obvio para muitos “Correios é uma atividade logística estratégica para um país. Tanto é verdade, que no período da ditadura ele era controlado fortemente”.

Nessa lógica, ele destaca a falta de debate público sobre o intento do ministro Paulo Guedes. Para Antunes, “o que está se discutindo é se privatiza ou não, um debate singelo. A questão é: Para que que serve a empresa. Ficar reduzido a questão de ser ou não uma empresa deficitária ou superavitária é um erro”.

Deixando claro que sua posição não é a de um estatista geral, o professor da Unisinos, diz que sua opinião é “simples: depende do tipo de empresa. Se serve aos interesses nacionais, se não serve aos interesses nacionais e como deveria servir aos interesses nacionais”.

“Não se pode se achar que a privatização dos  Correios é a de uma empresa qualquer. Não se trata de uma empresa qualquer. Não é uma coisa que gera simplesmente correspondência daqui para lá, objetos simples, encomendas”, declara.

Antunes ainda destaca que hoje em dia no mundo moderno a logística é um negócio extremamente estratégico e lucrativo, em especial devido a ascensão da Indústria 4.0, do aumento do comércio digital.

“As atividades de logística ficam cada vez mais intensas com o avanço da indústria digital. Basta olhar a Amazon. É uma empresa de tecnologia para vendas, mas por trás dessa empresa digital tem uma estrutura de logística furiosa, muito, muito poderosa”, registra.

História, lucratividade e caráter social

Luís Henrique Rodrigues, Pós-doutor em gestão operacional pela Universidade de Lancaster (Inglaterra)

Foto: Acervo Pessoal/Divulqação

Luís Henrique Rodrigues, Pós-doutor em gestão operacional pela Universidade de Lancaster (Inglaterra)

Foto: Acervo Pessoal/Divulqação

É nesse ambiente, que culmina na entrega de encomendas, que reside o principal atrativo, a lucratividade, dos que se interessam pela compra dos Correios, uma das maiores empresas de logística do mundo, identifica Luís Rodrigues, atualmente presidente do Instituto de Estudos Sistêmicos do Brasil (Iesb).

Com passagens por Angola, onde foi o principal consultor no processo de revitalização dos correios daquele país em 2011, Rodrigues registra que até há pouco tempo  Correios do Brasil figurou praticamente em todas as listas Top of Mind, era o quinto melhor do mundo e prestava consultorias internacionais.

“Antes mesmo de se falar o que hoje se chama Universidade Corporativa, os Correios na década de 1970 já tinha criado um importante curso para administradores postais”, o que, além de melhorar processos internos e aportar inteligência à organização, a fez referência global, lembra.

“Os correios exercem uma função social – não estou falando do correio do Brasil, estou falando de qualquer correio no mundo – de unir extremidades com uma certa confiança, diz. “Pouca gente sabe, mas tem uma coisa chamada carta social. Você pode mandar uma carta para qualquer lugar do país por um centavo. É econômico isto? É lógico que não, mas, socialmente, você está dando o direito de um cidadão, um brasileiro, de se comunicar com algum ente querido”, completa.

Lembrando que com o avançar da digitalização os correios no mundo todo buscam maneiras de se reinventar, Rodrigues lembra a criação dos Bancos Postais.

Se a Caixa Econômica Federal tem cerca de 1.500 agências no Brasil, os Correios têm mais de cinco mil. Isso contribui com a geração de valor nas economias locais de municípios e vilarejos no Amazonas, por exemplo. “Lá pode não ter um banco, mas tem uma agência dos Correios e existem estudos onde  apontam essa contribuição às economias dessas localidades”, registra.

Para Rodrigues, a agência dos Correios numa localidade dessas talvez seja até deficitária, se colocar na ponta do lápis o custo e a receita que ela gera. “Mas, se você colocar nessa conta o conceito mais sistêmico, que é abordagem com que eu trabalho, se vê que o valor não está na agência em si, mas no efeito multiplicador que ela gera na economia”.

Isso reforça o caráter social da empresa, um caráter que possa vir a ser perdido no processo de privatização almejado pelo governo Bolsonaro, temem os especialistas.

Comentários