POLÍTICA

Militares negaram leitos a pacientes civis na pandemia

No auge do cenário de superlotação da rede hospitalar gaúcha, o Comando Militar do Sul negou leitos clínicos e de UTI à Secretaria de Saúde para acomodar pacientes com covid-19
Por César Fraga / Publicado em 6 de junho de 2021
Hospital Militar de Base de Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

Hospital Militar de Base de Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

De acordo com o que consta nas planilhas encaminhadas pelo Ministério da Defesa à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado – a CPI da Covid –, hospitais militares teriam negado internação a pacientes civis durante a pandemia, mesmo com leitos ociosos.

Em 2021, no auge do cenário de superlotação da rede hospitalar gaúcha, quando a Secretaria de Saúde do Rio de Grande do Sul pediu que o Comando Militar do Sul cedesse leitos clínicos e de UTI para pacientes com covid-19, os militares negaram.

A negativa teria ocorrido, apesar de haver vagas naquele momento, segundo os documentos. Em cinco dos seis hospitais militares do estado, a ocupação era de apenas 65%. Leitos de UTI estariam com ocupação máxima, mas passaram a ter ocupação de 25% no mês seguinte, de acordo com as planilhas e, ainda assim, o Comando manteve a negativa.

A única satisfação dada pelo Comando Militar do Sul foi a de que havia iniciado estudos para colocar em funcionamento um hospital de campanha na capital do estado, Porto Alegre, “com a intenção de ajudar no desafogamento do sistema civil”.

O mesmo já havia acontecido no Amazonas, em dezembro de 2020, quando o governo daquele estado solicitou aos militares que cedessem leitos às vésperas do Ano Novo. Vale lembrar que o episódio se deu apenas duas semanas depois da falta de tubos de oxigênio, agravada pela inoperância do Ministério da Saúde, na época, também comandado por um militar, o general Eduardo Pazzuelo.

A resposta, além de negativa, só foi dada no dia 11 de janeiro de 2021. Além disso, conforme as planilhas, naquele mês, os hospitais militares no Amazonas estariam hiperlotados. Mas, curiosamente, no mês seguinte, já estavam com mais da metade dos leitos clínicos disponíveis.

Todo ano, os hospitais militares recebem R$ 3,4 bilhões em recursos da União – dinheiro proveniente de impostos dos contribuintes predominantemente civis, já que a contribuição dos militares para o bolo é ínfima e repleta de benesses, como a não tributação do Imposto de Renda de grande parte dos rendimentos dos oficiais após reformados –, porém os leitos estão abertos somente para militares e seus familiares.

Parlamentares e órgãos de controle da União têm questionado o Ministério da Defesa e os comandos das Forças Armadas sobre essa situação e movido ações na Justiça.

O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a emitir parecer estimulando as autoridades civis de saúde a solicitar vagas ociosas dos militares sempre que houver colapso do sistema. Na Câmara dos Deputados, foi aprovado regime de urgência para a tramitação de uma proposta que tornaria esse compartilhamento de vagas obrigatório.

DEM e PSOL pressionaram por leitos

A Defensoria Pública da União (DPU) acionou a Justiça Federal do Distrito Federal, no dia 6 de abril, para obrigar os militares a abrirem leitos para civis. O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) fez o mesmo e pediu ainda a responsabilização do ministro da Defesa, Walter Braga Netto.

No mesmo sentido, a bancada do PSOL na Câmara Federal mandou ofício à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada à Procuradoria-Geral da República (PGR), solicitando que sejam adotadas providências para destinar leitos a civis. O PSOL também pediu “investigação e responsabilização sobre o caso”, apontando consequências legais e a eventual responsabilização dos militares responsáveis pela gestão desses leitos.

Contraponto das Forças Armadas

O Ministério da Defesa (MD) negou as informações de que houvesse leitos sobrando, enquanto o sistema civil estava colapsado. Em nota publicada no mês passado, hospitais militares chegaram a operar com até 500% de ocupação em seus leitos clínicos, enquanto pacientes militares tiveram de ser transferidos de região, em busca de leitos vagos de UTI.

Conforme as autoridades militares, os dados que mostram ociosidade “correspondem a retratos muitas vezes momentâneos”, e que não refletem a dinâmica das internações. Além disso, dizem respeito a “hospitais pequenos, com poucos leitos e recursos limitados”.

Segundo o Ministério, “os militares são mais acometidos pela pandemia do que os civis”. Dados internos do MD demonstrariam que a incidência da covid-19 entre militares da ativa seria de 13%, enquanto a doença acometeria apenas 6,22% dos civis.

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