POLÍTICA

Para senadores, política externa de Ernesto Araújo na pandemia foi um desastre

Na CPI, ex-chanceler terceirizou sua gestão a Pazuello e Bolsonaro e negou incidentes diplomáticos com a China: “o senhor está faltando com a verdade”, atacou o senador Omar Aziz
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de maio de 2021
Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (E), que depôs nesta terça-feira na CPI da pandemia, ao lado dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL)

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (E), que depôs nesta terça-feira na CPI da pandemia, ao lado dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL)

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Com uma gestão marcada por questões ideológicas e por embates com o principal parceiro econômico do Brasil, a China, o ex-chanceler Ernesto Araújo minimizou a atuação do Itamaraty no combate à covid-19. Segundo ele, o Ministério das Relações Exteriores do governo Jair Bolsonaro (sem partido) seguiu as diretrizes internacionais do Ministério da Saúde durante a pandemia.

Respondendo às perguntas iniciais nesta terça-feira, 18, pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Araújo chegou, no entanto, a cair em contradição. Ele revelou que se reunia semanalmente com o presidente durante a crise sanitária, mas, disse que com o ministro da Saúde, “não havia regularidade” nos encontros.

Autor de um artigo que menciona "comunavírus", Araújo negou à CPI ter criado incidentes diplomáticos com a China

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Autor de um artigo que menciona “comunavírus”, Araújo negou à CPI ter criado incidentes diplomáticos com a China

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A maior parte das afirmações do ex-chanceler, segundo os senadores integrantes da CPI da Covid-19, deve contribuir para colocar o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Eduardo Pazuello, em uma situação ainda mais delicada quando for inquirido na CPI na quarta-feira, 19.

Araújo, ao ser defrontado com telegramas diplomáticos que revelaram seus esforços junto à Índia para intensificar o fornecimento de cloroquina ao Brasil no ano passado, voltou a afirmar que fez as tratativas sob a orientação da pasta dirigida pelo general que irá depor com um habeas corpus que lhe permite não responder perguntas pessoalmente incriminatórias.

Para Pazuello ainda sobrou o fato de ter optado pela contratação de apenas 10% das vacinas do consórcio Covax Facility da Organização Mundial da Saúde (OMS). Integrante da iniciativa, o Brasil poderia exercer um poder de compra de até 50% do medicamento, mas rejeitou.

Empresário bolsonarista

Ainda sobre a mobilização da estrutura do Itamaraty para a importação da Cloroquina, Araújo sob indagação do relator acabou confirmando que houve também demanda do presidente Bolsonaro. “Ele (Bolsonaro), em determinado momento, pediu que o Itamaraty viabilizasse um telefonema dele com o Primeiro-Ministro (da Índia)”, disse o ex-chanceler.

Para o ex-ministro, o medicamento que é também usado para outras enfermidades, estava com os estoques nacionais baixos.

Questionado por Renan, Araújo disse que não se lembra de ter estado com o empresário bolsonarista Renato Spallicci. Proprietário do laboratório Aspen, Spallicci triplicou em abril de 2020 a produção de Reuquinol, base da substância.

Política externa questionada

Omar Aziz, presidente da CPI: “Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Omar Aziz, presidente da CPI: “Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Araújo ainda foi fortemente questionado pela política externa adotada em sua gestão.

Ele iniciou sua oitiva com um discurso que exaltava a atuação do Itamaraty desde a posse de Bolsonaro. “O governo foi eleito com base em um projeto e o Itamaraty, como faz parte desse governo eleito, seguiu a linha vitoriosa nas urnas”, declarou. Segundo Araújo, havia nas relações exteriores do Brasil um binômio que considera equivocado, ideologia e pragmatismo.

Ele começou a ser confrontado pelos senadores, no entanto, quando disse que nunca emitiu declarações que podem ser consideradas como “antichinesas”.

O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), interviu e disse que ex-chanceler estava “faltando com a verdade” e apresentou frases ditas por Araújo.

Aziz relembrou que Araújo escreveu um artigo, no qual fez menção ao “Comunavírus”. “Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”, disse o presidente da CPI.

“Se vossa excelência acha que isso não é se indispor com um país, eu não entendo mais como se faz relações internacionais. Desmerecer o que já indicou e dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade”, reforçou.

Araújo se justificou, afirmando que seu artigo não era sobre a China. O ex-chanceler disse que termo “comunavírus” foi cunhado por com base em um autor de um livro que teria lido. Para ele, um exemplo de que não teria havido um mal-estar diplomático é o fato do comércio entre Brasil e China ter aumentado em sua gestão.  

Pária e irrelevante

“O senhor realmente é um homem muito ousado”, ironizou a senadora Kátia Abreu

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

“O senhor realmente é um homem muito ousado”, ironizou a senadora Kátia Abreu

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Uma das responsáveis pela queda de Araújo do ministério, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) ironizou: “O senhor realmente é um homem muito ousado”.

Segundo a parlamentar que preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado, o crescimento do comércio do Brasil entre a China “cresceu à despeito de Vossa Senhoria”.

Para Kátia, Ernesto Araújo não contribuiu em nada com as relações exteriores brasileiras.

Ela lembrou e disse ter sido uma vergonha um twitter de solidariedade do ex-chanceler aos invasores do Capitólio nos Estados Unidos, que discordavam da derrota de Donald Trump.

“Os senhores não foram parceiros dos Estados Unidos. Foram parceiros de Trump”, disse. Na oitiva, Araújo confirmou a influência do Assessor de Política Internacional de Bolsonaro Filipe Martins e do filho 03 do mandatário, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), nas relações exteriores do Brasil.

Katia endureceu. “O senhor é um negacionista compulsivo. Sua política nos levou para o naufrágio das políticas externas do Brasil”, disparou.

Ela ainda lembrou um discurso proferido por Araújo em recente formatura de alunos do Instituto Rio Branco. “Pior do que fazer o Brasil virar um pária, o senhor nos tornou irrelevantes”, concluiu.

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