Professores denunciam descumprimento de protocolos e contágios por covid-19 em escolas
Foto: Cpers/ Divulgação
O reinício das aulas presenciais nas redes públicas (estaduais e municipais) e privada, imposto pelo decreto do governo estadual no dia 3 de maio em um cenário de gravidade da pandemia, aumentou a exposição de professores, servidores de escolas, estudantes e pais ao contágio pela covid-19. As consequências dessa exposição já começam a aparecer após 11 dias de aulas presenciais.
Diversos relatos de docentes ao Sindicato dos Professores do Estado (Sinpro/RS) revelam que o distanciamento, o uso de proteção individual e o uso de álcool em gel para higienização de mãos e superfícies estão sendo negligenciados em um número significativo de instituições.
Notícias sobre o contágio cruzado entre professores e alunos que têm colegas e familiares com covid-19 aumentaram a tensão entre os profissionais. Na rede pública, as aulas foram suspensas em unidades da rede municipal de Caxias do Sul após um surto em uma escola.
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Em relação aos indicadores da pandemia no estado, foram registrados 4.735 novas infecções e 125 mortes por coronavírus em 24 horas, totalizando mais de 1 milhão de casos e 26,4 mil óbitos, de acordo com a última atualização de dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES/RS).
Após um período de estabilidade, o RS voltou a registrar queda nos indicadores da pandemia, com redução de 23% a média móvel de mortes, porém, em um patamar considerado alto: 111 por dia na média dos últimos 14 dias. O comprometimento da rede hospitalar com a ocupação de leitos de UTI covid ainda está próximo a 80%.
Terceira onda
O Boletim do Observatório Covid-19 da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) divulgado na noite de quinta-feira aponta que mesmo com uma ligeira redução nas taxas de mortalidade nas últimas duas semanas, o número continua muito alto e há uma intensa circulação do vírus no país.
“A pandemia pode permanecer em níveis críticos ao longo das próximas semanas, além de dar oportunidade para o surgimento de novas variantes do vírus devido à intensidade da transmissão”, diz o comunicado.
Já o número de casos aumentou ligeiramente, a uma taxa de 0,3% ao dia, enquanto o número de óbitos por covid-19 foi reduzido a uma taxa de -1,7% ao dia, mostrando uma tendência de queda, mas ainda não representa uma tendência de contenção da epidemia. “Uma terceira onda agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, alerta a Fiocruz.
Mais mobilidade e menos proteção
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O aumento da mobilidade sem uma contrapartida para proteger a população preocupa a comunidade científica. O médico infectologista Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) lembra que a pesquisa Epicovid-19, da UFPel, demosntrou que nem um quinto da população gaúcha possui ainda anticorpos contra o novo coronavírus.
“Se a gente não consegue fazer com que as pessoas se protejam de forma adequada em um cenário em que o vírus continua circulando e como a velocidade da vacinação ainda muito lenta, isso contribui para que os números aumentem de novo. A equação é simples. Vamos ter momentos piores, independente de novas variantes. Esse é o nosso alerta”, acrescenta Sprinz, que foi responsável pelo estudo da vacina da Astrazeneca/Oxford no Clínicas.
Flexibilização dos protocolos
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Diversos casos ou suspeitas de infecções e relatos sobre o relaxamento dos protocolos de segurança, falta de álcool em gel, máscaras inadequadas, aglomerações de alunos e até reuniões e lanches coletivos em ginásios estão sendo checados pelo Sindicato dos Professores do Estado (Sinpro/RS). A entidade cobrou das direções uma fiscalização mais rigorosa do distanciamento e cumprimento das normas de higiene e segurança nas escolas citadas nas denúncias.
“O Sinpro/RS tem recebido informações de professores referindo que em suas escolas há docentes e funcionários com suspeita de covid-19. Já tivemos alguns casos e isso, para os professores, se deve à falta de cuidado da comunidade escolar. A escola privada tem condições de receber os alunos, mas o número de alunos que voltou é muito alto, de forma não escalonada. Mesmo tendo álcool em gel, máscaras, falta o acompanhamento do uso dos EPIs”, alerta a diretora do Sindicato, Cecília Farias.
A dirigente ressalta que as denúncias mobilizaram a entidade, que atua para garantir a segurança dos professores e tem conversado com as direções das escolas para esclarecer as inúmeras denúncias de descumprimento das diretrizes contra o contágio. “Se as escolas flexibilizarem os protocolos, o Sinpro/RS tomará as providências cabíveis junto aos órgãos sanitários”, afirma.
Em nota, o sindicato das escolas (Sinepe/RS) lembrou que as “escolas particulares seguem rígidos protocolos sanitários para retornar às aulas presenciais, que contemplam entre outras questões, o distanciamento, a proibição de atividades coletivas e o afastamento de pessoas com sintomas gripais do ambiente escolar”. A entidade afirma que desconhece que instituições estejam descumprindo essas diretrizes e relativizou as denúncias.
Redes de contágio
De acordo com o relato de uma professora, o colégio no qual ela leciona na capital realiza reuniões com grandes aglomerações, já que a presença do corpo docente é obrigatória, em local fechado, sem circulação de ar, e sem a imposição do uso de máscara.
Os professores foram informados, em outra escola, pela coordenação que um deles testara positivo para covid-19. A escola suspendeu as aulas presenciais por uma semana somente na turma da professora que testou positivo.
Em uma escola Marista foi relatado que o distanciamento de 1,5 metro entre as classes não estava sendo observado no turno da manhã e que ocorrem aglomerações de alunos junto à cantina durante o recreio. As professoras contam que ficaram sabendo que colegas testaram positivo e alunos com familiares com covid-19 estariam frequentando as aulas normalmente e não houve comunicados da instituição nesse sentido.
As atividades pedagógicas e a jornada de trabalho inalteradas mesmo com o risco de contágio também preocupam os professores. “Estamos cumprindo horário de sala de aula como se nada estivesse acontecendo. E fora do horário contratado, estamos fazendo planejamento, preenchendo planilhas, abastecendo plataformas”, relata uma professora. Até para um curso presencial o corpo docente foi convocado.
“Os pais pagam”
Em uma escola privada de Canoas, salas de aula do ensino médio têm em torno de 26 alunos, não há marcação no chão da sala que seria o distanciamento correto, as provas trimestrais impressas em papel serão aplicadas normalmente.
A instituição dispõe de uma plataforma de desenvolvimento e aplicação de avaliações, mas o uso do equipamento pelos alunos é opcional. A justificativa da direção é o cumprimento do contrato e a prestação de serviço às famílias, já que “os pais pagam pelo ensino presencial”, mas a direção não menciona o risco de contágio que isso representa aos professores e estudantes.
Sinpro/RS cobra vacinas para os professores
O Sinpro/RS reiterou ao governo do estado a urgência da vacinação dos professores e demais profissionais da educação, lembrando que no dia 16 de março a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade um projeto de lei, sancionado pelo governo do estado que classifica como atividade essencial as aulas presenciais. “Se a educação presencial é atividade essencial, e os professores não têm opção que não seja ir até a escola, então é necessário que esse mesmo Executivo e Legislativo que consideram a essencialidade do ensino presencial promovam a vacinação. O deslocamento é muito perigoso porque no trajeto até a escola, todos correm o risco de serem infectados. Vamos insistir também junto às mantenedoras que se empenhem para que a vacinação seja uma prioridade para manter as escolas funcionando”, explica Cecília.
Surtos nas escolas públicas
Foto: Cpers/ Divulgação
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A diretora da escola estadual Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Viamão, Simone Fagundes de Souza, testou positivo para covid-19 pela segunda vez durante os plantões presenciais.
O contágio mais recente ocorreu no início do mês, quando a escola se preparava para retomar as aulas presenciais. Das quatro servidoras que trabalharam nos plantões, duas testaram positivo.
“A minha merendeira foi a primeira que pegou covid e se afastou no dia 3, com sintomas. Eu testei positivo no dia 5. Possivelmente passei para o meu filho, já que praticamente ele não sai de casa”, conta Simone.
O Cpers-Sindicato encaminhou ofício ao governo do estado no qual ressalta os diversos relatos de contaminação na rede estadual e cobrou mais uma vez a vacinação dos trabalhadores em educação.