OPINIÃO

Mais da metade do orçamento de 2021 será para amortizar dívida pública

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 15 de setembro de 2020
Mais da metade dos recursos previstos no orçamento federal de 2021, para os gastos com juros e amortizações da dívida pública

Foto: Isac Nóbrega/PR

Mais da metade dos recursos previstos no orçamento federal de 2021 são para os gastos com juros e amortizações da dívida pública

Foto: Isac Nóbrega/PR

No último dia 31 de agosto, o Governo Federal publicou e encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021 no valor total de R$ 4,148 trilhões.

O referido projeto destina R$ 2,236 trilhões, ou seja, mais da metade dos recursos previstos no orçamento federal de 2021, para os gastos com juros e amortizações da dívida pública, aumentando em R$ 634 bilhões o valor nominal previsto no PLOA 2020.

Nesse aspecto, cabe ressaltar o grave fato de que grande parte dos juros da dívida têm sido contabilizados como se fosse amortização, razão pela qual devem ser somadas as rubricas referentes aos gastos com juros e amortizações da dívida.

Enquanto os gastos com a dívida pública representam 53,92% do PLOA 2021, áreas sociais fundamentais receberão, no ano que vem, volume de recursos inferior à média do valor efetivamente recebido no período de 2015 a 2019 (valores atualizados pelo IPCA até agosto/2020, data do PLOA 2021), destacando-se as seguintes áreas:

  • Saúde (perda de 0,78%);
  • Trabalho (perda de 2,59%);
  • Direitos da Cidadania (perda de 22,24%);
  • Urbanismo (perda de 9,70%);
  • Saneamento (perda de 32,63%);
  • Ciência e Tecnologia (perda de 13,27%);
  • Organização Agrária (perda de 33,15%);
  • Indústria (perda de 23,02%);
  • Energia (perda de 34,20%);
  • Desporto e Lazer (perda de 34,96%);
  • Encargos Especiais/Outros GND, principalmente Transferências a Estados e Municípios (perda de 0,40%).

Todos sabemos que o desenvolvimento socioeconômico do país depende principalmente de investimentos governamentais em Ciência e Tecnologia, Energia e Indústria, áreas que estão perdendo grandes volumes de recursos no PLOA 2021, comparativamente ao que vinham recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados pelo IPCA).

A realização da reforma agrária também é iniciativa fundamental para o desenvolvimento socioeconômico, como comprovado em diversos países que a realizaram, porém, ela está praticamente inviabilizada diante da perda brutal de 33,15%, pois essa rubrica orçamentária já vinha recebendo recursos bem reduzidos.

Perdas

As perdas sociais no PLOA 2021 são imensas, tendo em vista que a área de Habitação, aparece com recursos praticamente zerados, e até a área da Saúde perde 0,78%, cabendo ressaltar também as relevantes perdas do Saneamento, de 32,63%, área correlata à saúde. Relevantes perdas também nas rubricas Trabalho, Direitos da Cidadania e Desporto e Lazer mostram que estas áreas não fazem parte das prioridades do governo.

A Educação e a Gestão Ambiental, que são áreas relevantes ao desenvolvimento socioeconômico do país, aparecem, no PLOA2021, com praticamente o mesmo volume de recursos que vinham recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados pelo IPCA), apresentando uma variação positiva de apenas 1,96% e 1,75%, respectivamente.

Por outro lado, algumas áreas estão tendo, no Ploa 2021, aumento superior a 20% do volume de recursos que vinham recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados pelo IPCA), como por exemplo as áreas da Defesa Nacional (acréscimo de 20,67%) e Segurança Pública (acréscimo de 22,81%).

Aumento de gastos

O projeto aumenta os gastos com Agricultura (acréscimo de 23,43%, que destina a maior parte dos recursos ao agronegócio); Comércio e Serviços (acréscimo de 49,38%, sendo a maior parte dos recursos destinados a empresas brasileiras no exterior); Transporte (acréscimo de 32,39%, sendo a maior parte destinada a rodovias que estão sendo privatizadas), e Comunicações (acréscimo de 111,93%, setor em grande parte já privatizado).

Os gastos com juros e amortizações da chamada dívida pública previstos para 2021 são 87% superiores à média dos últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados pelo IPCA), aumento este que em números absolutos significa o relevante valor R$ 1,041 trilhão. Aí está o grande problema do orçamento.

No ano de 2020 já está havendo também um aumento nos gastos com a “Dívida Bruta do Governo Geral” que refletiram no aumento de seu estoque, que subiu R$ 709 bilhões nos primeiros 7 meses de 2020. Apesar da alegação de representantes do governo e alguns setores da grande imprensa conservadora de que esse aumento em 2020 seria decorrente dos gastos com as ações relacionadas à pandemia, a análise dos dados revela que esse crescimento decorreu principalmente devido ao aumento das chamadas “Operações Compromissadas” (que na prática correspondem à remuneração da sobra de caixa dos bancos, cujo estoque cresceu R$ 546 bilhões no período); do aumento da dívida externa medida em reais (devido à alta do dólar), e dos gastos com juros incidentes sobre a dívida pública federal, cuja taxa média se encontra em cerca de 9% ao ano, apesar da taxa básica Selic estar em 2% ao ano.

Projeto de país

A análise global do comportamento dos gastos evidencia o projeto de país que tem sido implementado nos últimos anos, refletido no Orçamento Federal.

A tabela anexa contém dados de 2015 a 2021, sendo que os valores de 2015 a 2019 são os efetivamente pagos nos respectivos anos, seguidos dos valores previstos em 2020 e 2021 nos respectivos Ploa.

O gráfico a seguir revela o perverso efeito da Emenda Constitucional nº 95/2016 sobre todas as áreas sociais e gastos com a manutenção do Estado, cujo total permaneceu rigorosamente congelado, enquanto os gastos com a dívida pública oscilam livremente e em 2021 aumentam de forma ainda mais relevante no Ploa 2021:

 VALORES PAGOS  (2015 a 2019) e VALORES PREVISTOS (PLOA 2020 e 2021)
Gastos selecionados – R$ bilhões (em valores atualizados pelo IPCA para agosto/2020)

Reprodução

Reprodução

 

Fonte: Elaboração própria com dados do Painel do Orçamento Federal, Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério da Economia. (Acesso em 9 de setembro de  2020)

Nota 1: Os juros e amortizações da dívida pública correspondem aos GND 2 e 6.

Nota 2: “Outros Encargos Especiais” correspondem principalmente às transferências a estados e municípios (que não estão sujeitas ao chamado “teto de gastos” da EC 95/2016). O valor foi obtido subtraindo-se da Função “Encargos Especiais” os gastos com juros e amortizações da dívida pública.

Nota 3: Os “Gastos Sociais e com a manutenção do Estado” englobam quase todas as demais rubricas orçamentárias (exceto “Encargos Especiais” que compreendem os gastos com a dívida pública, transferências a Estados e Municípios etc.), e quase a sua totalidade corresponde às “despesas primárias”, que estão submetidos ao teto de gastos estabelecido pela EC 95/2016.

Breve Análise

Esta breve análise revela o modelo de Estado rentista, tendo em vista que a maior parte dos recursos destina-se ao pagamento de juros e encargos da chamada dívida pública, com indicativo de agravamento desse modelo devido à destinação de 53,92% do Ploa 2021 para os gastos com a dívida pública, enquanto as áreas mais fundamentais para a sociedade e para o país perdem grandes volumes de recursos ou ficam praticamente no mesmo escasso patamar anterior.

É urgente inverter essa lógica e garantir que as imensas riquezas e potencialidades existentes no Brasil sejam empregadas em áreas que garantam vida digna para todas as pessoas, respeito à Natureza e o desenvolvimento socioeconômico do país. #ÉHORAdeVIRARoJOGO

Maria Lucia Fatorelli é auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe. Este artigo contou com dados levantados por Rodrigo Ávila e Rafael Muller.

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