Uma narrativa guarani
Foto: Álvaro Franco da Fonseca Junior/ CEAI /Divulgação
O Coletivo de Estudos e Ações Indígenas (Ceai) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, em parceria com a comunidade da Terra Indígena de Rio d’Areia, lançou no dia 10 de fevereiro o livro Histórias de um Guarani.
De autoria de Nelson Florentino, líder índigena da região, a obra reúne 18 contos originais escritos no período em que ele trabalhou com o linguista norte-americano Robert Dooley na edição de um dicionário e uma gramática guarani para a comunidade.
Organizado pela porto-alegrense Letícia Fraga, com tradução para o espanhol de Ligia Couto, ambas professoras do Departamento de Estudos da Linguagem da UEPG, a obra tem ilustrações do professor Álvaro Franco da Fonseca Junior, da Secretaria Estadual de Educação.
A coletânea trilíngue (guarani, português e espanhol) financiada pelo CNPq registra para as novas gerações a cultura e a língua do povo guarani mbya – legado tradicionalmente repassado pela oralidade.
“O livro chega a qualquer lugar. O mais importante é que se trata de uma obra composta de textos registrados espontaneamente por Nelson Florentino, que afirmou que só conseguiria ensinar a língua guarani ao linguista Robert Dooley por meio da contação de histórias.
E foi o que aconteceu: por meio das histórias contadas por Nelson, Robert aprendeu guarani e organizou duas obras bastante complexas, um dicionário e uma gramática de língua guarani”, relata Letícia Fraga, porto-alegrense radicada no Paraná, licenciada em Letras e doutora em Linguística.
O registro contribui para que as histórias continuem sendo contadas, não se percam no tempo e também colabora para o ensino do idioma guarani nas escolas indígenas, já que há uma escassez de material nessa língua, destaca Nelson.
“Nós temos que relatar como era antes. Claro que a gente não vai seguir vivendo como antigamente, mas nós temos que contar como era nossa cultura antiga para saber como a gente era”, defende o autor.
Foto: Reprodução
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Para Elisete Yva Florentino, o livro é uma herança. “Não uma herança de dinheiro, mas uma herança de sabedoria que a gente vai passar para os nossos filhos e eles vão passar para os filhos deles. Vai ficar para todos os indígenas”.
Segundo Letícia, diferente da literatura infanto-juvenil ocidental, as narrativas dos povos originários não se sustentam a partir de uma visão de mundo simplificada, reduzida, maniqueísta, em que as personagens ou são somente boas ou somente más.
“Algumas são bem sérias, têm até a função de amedrontar, porque têm uma finalidade prática, como, por exemplo, a de orientar as crianças sobre determinados perigos”, conclui.
Foto: Álvaro Franco da Fonseca Junior/ CEAI /Divulgação
Alfabetização e plantas medicinais
O coletivo já foi contemplado em seis editais do CNPq e Fundação Araucária, com projetos voltados para o apoio às iniciativas dos povos indígenas relacionadas à gestão das línguas das comunidades.
O primeiro livro produzido pelo Ceai foi uma cartilha de alfabetização em língua kaingang, publicada em 2015, concebida por um grupo de professores que concluiu o curso de magistério indígena no estado do Paraná em 2012.
Já o livro Remédios Kaingang, também de 2015, foi construído com uma família da Terra Indígena de Mangueirinha (PR) que tinha uma grande preocupação em registrar as práticas da medicina tradicional.
A edição permite a identificação de cada espécie de planta medicinal, indicação, modo de preparo e forma de uso. Ainda em 2015, foram produzidas, a partir de demanda de professores da Terra Indígena de Faxinal (PR), placas em material resistente com famílias silábicas a partir de uma palavra geradora, material para auxiliar a aquisição de escrita kaingang.