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Notícias falsas monetizam a desgraça e atrapalham ações em meio a tragédia no RS

Em busca de engajamento, dinheiro e ganhos políticos, informações falsas espalhadas de forma coordenada dificultam ações, espalham pânico em meio a já difícil tarefa de socorrer os atingidos pelas cheias
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de maio de 2024

Notícias falsas monetizam a desgraça e atrapalham ações em meio a tragédia

Foto: Giulian Serafim/PMPA

Foto: Giulian Serafim/PMPA

O grande número de informações falsas sobre a tragédia climática no RS que vêm sendo distribuídas de forma sistemática via WhatsApp e redes sociais fizeram os governos federal e do Rio Grande do Sul, em meio ao socorro às vítimas, implementar medidas para combater esta prática que atrapalha as ações de acolhimento e resgate.

À exemplo de fenômeno semelhante ocorrido nas cheias de setembro de 2023, o desastre climático atual que já afeta 414 dos 497 municípios gaúchos virou mina de ouro para quem quer fama, dinheiro ou obter vantagens políticas com o drama e a dor da população atingida.

 O ministro responsável pela comunicação social do governo Lula, Paulo Pimenta, acionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para que a Polícia Federal (PF) identifique e investigue os autores de notícias falsas sobre a situação no estado. Já, a nível estadual foi anunciado a criação de um Grupo de Trabalho para a checagem e contestação das informações falsas de maior circulação.

Nos dois casos, a justificativa é a mesma: a desinformação trabalha para diminuir a confiança da população na capacidade de resposta governamental (federal, estadual e municipal), além de agravar ainda mais a situação, porque prejudica os esforços conjuntos para a evacuação e resgate das pessoas atingidas.

Segundo Pimenta, há parlamentares da extrema-direita envolvidos na disseminação das fake News e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está “indignado” com a situação.

Ação criminosa

No início, as fake news foram disseminadas por setores conservadores, tentando vincular o governo federal a um patrocínio que não fez ao show da pop star Madonna no Rio de Janeiro, “enquanto os gaúchos sofrem”.

Agora, no avançar da calamidade, elas se direcionam para outros públicos e transmitem imagens que vão desde caminhões com donativos sendo barrados por falta de nota fiscal a áudios sobre um bebê morto, boiando. Tudo mentira.

A história dos caminhões paralisados e da criança afogada que teria sido confundida com uma boneca por um voluntário em Canoas, já foram desmentidas, mas não são as únicas que ainda persistem em grupos de WhatsApp.

No meio, recortes que dão ares de descontrole da situação, como a sugestão de que a Marinha e o Exército estariam criando obstáculos para que voluntários atuem nas operações de resgate.

No ofício encaminhado ao Ministério Público, o ministro Pimenta cita que o deputado federal bolsonarista Cleitinho (Republicanos/MG), é um dos responsáveis pela afirmação de que os donativos estariam barrados por ausência de nota fiscal.

Pimenta relata já ter tomado conhecimento até de hostilidades ocorridas em um centro de acolhimento para desabrigados por causa de fake news.

“As Forças Armadas e equipes de resgate da Defesa Civil estão exausta de tantas informações falsas. AGU (Advocacia Geral da União) e PF devem agir para identificar os agentes criminosos para impedir sua ação organizada para prejudicar os resgates e salvamentos”, destaca o ministro.

Movimento coordenado e telefone sem fio

Lucio Uberdan, diretor da Bateia – Mineração de Dados e consultor de marketing político e digital, não tem dúvidas.

“Existe, sim, um movimento coordenado que acaba tendo muita adesão para desconstruir as ações governamentais no Estado”, afirma.

A ideia, conforme o especialista, é passar uma falsa imagem de que quem “está fazendo tudo é a sociedade, que há descontrole, não tem comando”.

Para isso, explica, as fake news vão se desdobrando em diversas mensagens que não necessariamente estão ligadas a ação inicialmente coordenada, mas viralizam diante da busca de engajamento.

Em geral, esse fenômeno se move pela lógica do “negócio tá bombando, tá todo mundo falando, vou publicar.  O problema se dá porque, ao contrário da mídia profissional, não existe nenhuma preocupação em verificar se a informação é verdadeira ou não e segue a linha da antiga brincadeira do telefone sem fio.

Empreendedorismo digital

“Alguém chega e diz, ‘ó, tem alguém abandonado; o outro, ó, tem alguém abandonado e um é velho’. Um terceiro, ‘tem alguém abandonado, um é velho e um morreu’. É, assim, um processo muito acelerado de desinformação e que vai piorando cada vez mais”, lamenta Uberdan.

“Eles querem audiência, eles querem ter visibilidade. Por ego, em muitos casos por ego, em outros casos até por uma lógica do que a gente chama de empreendedorismo digital”, descreve o especialista.

Segundo ele, se de um lado há parlamentares e influencers de extrema-direita com interesses políticos, de outro, há pessoas em busca de oportunidades de ganho de audiência na busca de monetização nas redes.

“Assim, ‘olha, se eu ficar com uma grande audiência, daqui a pouco eu tô ganhando dinheiro’. Isto, por sua vez, contribui com os objetivos de quem pensou e agiu de forma coordenada. A maioria dessas redes bolsonaristas, por exemplo, fica o dia inteiro procurando viralizar algo para ganhar audiência; para ganhar notoriedade e daqui a pouco, quem sabe, ganhar algum dinheiro, né?  ”, resume Uberdan.

Notícia falsa não ajuda e atrapalha

De acordo com Fernanda da Escóssia, jornalista e editora-executiva da agência de desmentidos Aos Fatos e professora de Jornalismo na Uerj, onde coordena a Agência de Notícias Científicas(Agenc ), a promoção de  conteúdos descontextualizados — ocorridos em outros lugares ou em outras épocas — desviam a atenção de profissionais envolvidos no socorro às vítimas reais. Atrapalham resgates urgentes e dividem esforços, em vez de somar.

“Divulgar proibições e apoios inexistentes é uma forma de provocar revolta ou dar esperanças falsas a todos os envolvidos: vítimas, famílias e voluntários. Alguém que pensa em oferecer ajuda, transportando donativos ou ajudando nos resgate, pode acabar desistindo. Disseminar o pânico aumenta o sofrimento e o medo. Decisões individuais e coletivas tomadas sob pânico acarretam enormes riscos para toda a população, pondera.

A professora acrescenta ainda, que cobrar medidas de governos de todas as instâncias é fundamental para a  democracia. Apontar o descaso de governantes com as crises climáticas é tarefa do jornalismo. “Fiscalizar, criticar, reivindicar, apontar erros, são atitudes cidadãs. Usar conteúdos falsos para fazer isso é atrapalhar a todos. Não ajuda a democracia”, conclui.

Em resumo, não está sendo exigida nota fiscal de doações; não estão sendo multados os veículos de apoio a salvamentos; não é obrigatória licença para pilotar barcos e jetskis em operações de salvamento; não há fiscalização, pelo governo do Estado, de marmitas feitas por voluntários; o dinheiro doado pelo pix oficial não vai para o caixa do governo.

Consultas de informações oficiais podem ser feitas em www.sosenchentes.rs.gov.br .

Ao receber uma mensagem no celular ou ver uma publicação em rede social se preocupe sobre a veracidade da informação.
Para certificar se é a mensagem é verdade ou fake news, acesse as principais agências de checagem que existem hoje no Brasil. Se a checagem ainda não foi feita, os dados da informação podem ser enviados para as agências para futura verificação.

 

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