OPINIÃO

Os milicianos das bolinhas de som

Por Moisés Mendes / Publicado em 15 de janeiro de 2024
Os milicianos das bolinhas de som

Foto: Divulgação

“Guardas municipais, muitas vezes com o suporte de leis das cidades, não dão conta de reprimir os fazedores de barulho porque a força maior é dos barulhentos”

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São muitos os infernos que as pessoas pagam para frequentar. Mas nenhum inferno bate há muito tempo a praia com um sertanejo gritando ao lado. Não há como um inferno ser pior do que o da contemplação do mar com uma caixa de som e uma gritaria.

Não é um assunto novo, mas foi renovado. É um tema da civilização, não é uma pauta de veraneio.  A música na praia é o fascismo que sai das redes e assume um dos seus palcos preferidos.

O som, que antes era localizado, agora se espraiou pela areia, levado pelas bolinhas que podem ser transportadas de um lado para o outro. E seus propagadores assumiram feições de milicianos.

A bolinha é sempre de alguém que não se conhece. Que chegou de turma, que geralmente é fortão e que só toca o que a maioria não quer ouvir.

A maioria não quer música na praia, nem alta nem baixa. Mas raras prefeituras do Brasil multam o som levado para a areia.  A maioria é omissa.

Por que o som prevalece diante do direito de quem está de férias de apenas ouvir o mar e as crianças na água? Porque as prefeituras são covardes.

Toda a estrutura das prefeituras, do prefeito aos secretários. Os vereadores são covardes. As lideranças das cidades também se omitem por covardia.

São covardes diante da imposição dos donos das bolinhas de som. Como já eram covardes diante dos que levavam caixas enormes para a beira d’água, quando os equipamentos não eram tão portáteis.

As autoridades não encaram o barulho na praia porque temem os barulhentos, temem os amigos deles, as turmas, as gangues do som. Porque dono de caixinha de som se comporta como bandido.

Guardas municipais, muitas vezes com o suporte de leis das cidades, não dão conta de reprimir os fazedores de barulho porque a força maior é dos barulhentos.

A maioria quer espichar o tempo e o silêncio na praia. Mas a minoria quer ouvir música sertaneja. E a minoria vence. Sempre venceu. Com exceções, como em praias de Santa Catarina e, agora, do Guarujá, em São Paulo.

O chinelão que ouve música na praia, porque o barulho do mar o perturba, sabe que ninguém o enfrenta porque impõem o mesmo medo imposto por delinquentes.

Um miliciano do som agrediu este ano guardas municipais em Balneário Camboriú. Agridem guardas no Rio, em São Paulo, onde alguém tentar contê-los.

A manezada furiosa do som na praia amplifica as agressões da era bolsonarista. A proliferação de bolinhas de música, em áreas de pobres ou de ricos, é a multiplicação das afrontas, da inconveniência social, da brutalização das relações humanas.

Não importa se o som é moderado ou baixo. Música só deveriam ser compartilhadas por quem desejasse ouvi-las.

Barulhos do mundo real, mesmo que desagradáveis, principalmente os dos carros, são compulsórios. Mas ninguém é obrigado a ouvir música dos outros.

Nem na praia, nem em praças, na rua, nem na vizinhança.

Nunca e em lugar algum a música saída de algum aparelho deveria ser compartilhada com quem não deseja ouvi-la. Porque o direito particular ao barulho não pode se sobrepor ao direito coletivo ao silêncio, por mais utópico que isso pareça.

O sujeito que escuta um sertanejo negacionista quer ostentar. A música alta é a imposição do seu pretenso poder. Mas o fascismo perdeu, na eleição e no golpe.

O bolsonarismo perdeu e os disseminadores do lixo da música brasileira também devem ser derrotados. O Brasil resignado, que se submeteu a quatro anos de bolsonarismo, tem que conter a chinelagem na praia.

Se prefeitos e vereadores forem menos covardes e se guardas municipais e a Brigada Militar cumprirem com o que manda a lei, tudo estará resolvido.

Uma lei, acreditem, de 1941, quando não existiam bolinhas, sertanejos e Bolsonaro. Uma lei já atualizada por outras legislações. Mas incapaz de acionar a coragem dos que temem os milicianos das bolinhas de som.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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